quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O funesto caso de Durval Perneta...

Nunca entendi direito por que cemitérios possuem muros, mesmo por que quem está dentro não vai sair e os que estão fora não querem entrar, pelo menos na pratica! A maioria dos vivos detestam o ambiente, pois os fazem lembrar como são frágeis e se encontram tão perto da morte. O mesmo não se aplica para os diletos moradores do lugar, que permanecem lá sem reclamar de nadinha.

Contrariando a opinião geral, existia em Mirabela da Serra um distinto morador que adorava o espaço. Era Durval Perneta, branquelo, careca e mirradinho que de perneta não tinha nada apenas mancava de uma perna e por isso ganhou logo esta alcunha.

O dito, todo santo dia visitava as lápides e ficava horas a contempla-las. No início a população acreditava que ele era meio destrambelhado, mas logo começaram os cochichos que ele tinha parte com o “coisa ruim” e só ia lá para visita-lo.

Ate no empório do Seu Olímpio Espanhol, virava e mexia alguém tocava no assunto. Contavam lá que as incursões começaram no dia que Rutinha Alvarenga, de quem ele era noivo e jurado seu amor eterno lá foi enterrada. Na verdade o que ele tinha era um pacto com a saudade que ruminava dentro dele e teimava em não abandona-lo.

Mas como disse no começo, a morte vem para todos e num belo dia ela sorteou o Durval, justamente quando ia de jardineira de Mirabela da Serra para Capim Vermelho. Foi um acidente horroroso, daqueles de aparecer na televisão. O certo que além dele, encontrava também entre as vitimas o Tonho Bastos, defunto grandão, putrefeito e pavoroso daqueles de assustar até na igreja, ao qual Rutinha em vida tinha certo capricho.

Foi uma festa fúnebre o encontro da falecida com Durval que não podia se sentir mais feliz. Tudo era só amor. Porem o coração dos outros é um terreno desconhecido, tanto para vivo quanto para morto e como em cemitério é aquela monotonia, com passar do tempo o Tonho Bastos começou a rodear a morta. Bastava o Durval sair para assombrar um barracão que o rufião desencarnado ia lampeiro ofertar a moribunda alguns cravos de defunto arrancados de coroas por ali existentes.

A finada, seduzida ficava mais e mais com os olhinhos pestilentos arrastados pro lado do tinhoso. Logo começaram a dar umas sumidas do cemitério, até que num chuvoso dia de finados o Durval depois de procurar embaixo de cada cruz encontro-os no maior assanhamento e pouca vergonha atrás de um jazigo afastado que por lá existia.

Dizem que ele tomou um porre de matar lá no empório do espanhol, mas isto ninguém confirma, mesmo por que não ficou viva alma quando ele adentrou no recinto pedindo uma pinga. Naquele dia o freguês que encontraram mais perto já estava a menos de duas léguas da capital.

A partir dali ele tornou-se um ébrio inveterado. Não comparecia mais na procissão das almas penadas. Chegava atrasado para assombrar as casas, isto quando ia e vivia bêbado caído entre os mausoléus. E imaginar que em vida um homem de conduta ilibada... Agora um féretro prostrado e humilhado!

Vejam só o que o cadáver de uma desavergonhada pode fazer a um cadavérico escarnecido... Numa noite de lua cheia, Durval enforcou-se num galho seco de uma tétrica arvore próxima a capela do velório, tendo a coruja como solitária testemunha de seu calvário final.

De Bastos e Rutinha ninguém mais deu noticia. Apenas um lobisomem disse tê-los vistos pela ultima vez retornando para o fundo da catacumba donde saíram, outras almas maledicentes afirmaram que fugiram para assombrarem juntos uma quitinete sintecada em Copacabana... Já poucos falam que ao ser abandonada por Bastos, partiu para vida fácil na capital mineira, chegando ate ficar conhecida pelo vulgo de “Loira do Bonfim”. Toda vez que alguém assuntava pelos fatos, o professor Waldizinho Fragoso disparava no seu latim: - Muliere ne credas, ne mortuae quidam! (ª)

Por isso, nas noites de sexta feira 13, ninguém em Mirabela da Serra deixa o fogão de lenha aceso, para não correr o risco de ver penetrar o fantasma embriagado de Durval Perneta em busca de um tira-gosto, ate que não por medo, mas se já é difícil suportar seu odor apodrecido, muito pior seus lamentos lacrimosos para defunto nenhum botar defeito.

Afinal de contas se conversa de bêbado vivo já é ruim, morto é muito pior, dura uma eternidade!

Que JC ilumine!


a   (a) -    Não acredite em algumas mulheres, nem mesmo morta.

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