Nunca entendi direito
por que cemitérios possuem muros, mesmo por que quem está dentro não vai sair e
os que estão fora não querem entrar, pelo menos na pratica! A maioria dos vivos
detestam o ambiente, pois os fazem lembrar como são frágeis e se encontram tão
perto da morte. O mesmo não se aplica para os diletos moradores do lugar, que
permanecem lá sem reclamar de nadinha.
Contrariando a opinião
geral, existia em Mirabela da Serra um distinto morador que adorava o espaço.
Era Durval Perneta, branquelo, careca e mirradinho que de perneta não tinha
nada apenas mancava de uma perna e por isso ganhou logo esta alcunha.
O dito, todo santo dia
visitava as lápides e ficava horas a contempla-las. No início a população
acreditava que ele era meio destrambelhado, mas logo começaram os cochichos que
ele tinha parte com o “coisa ruim” e só ia lá para visita-lo.
Ate no empório do Seu
Olímpio Espanhol, virava e mexia alguém tocava no assunto. Contavam lá que as
incursões começaram no dia que Rutinha Alvarenga, de quem ele era noivo e
jurado seu amor eterno lá foi enterrada. Na verdade o que ele tinha era um
pacto com a saudade que ruminava dentro dele e teimava em não abandona-lo.
Mas como disse no
começo, a morte vem para todos e num belo dia ela sorteou o Durval, justamente
quando ia de jardineira de Mirabela da Serra para Capim Vermelho. Foi um
acidente horroroso, daqueles de aparecer na televisão. O certo que além dele,
encontrava também entre as vitimas o Tonho Bastos, defunto grandão, putrefeito e
pavoroso daqueles de assustar até na igreja, ao qual Rutinha em vida tinha certo
capricho.
Foi uma festa fúnebre o
encontro da falecida com Durval que não podia se sentir mais feliz. Tudo era só
amor. Porem o coração dos outros é um terreno desconhecido, tanto para vivo
quanto para morto e como em cemitério é aquela monotonia, com passar do tempo o
Tonho Bastos começou a rodear a morta. Bastava o Durval sair para assombrar um
barracão que o rufião desencarnado ia lampeiro ofertar a moribunda alguns
cravos de defunto arrancados de coroas por ali existentes.
A finada, seduzida ficava
mais e mais com os olhinhos pestilentos arrastados pro lado do tinhoso. Logo começaram
a dar umas sumidas do cemitério, até que num chuvoso dia de finados o Durval
depois de procurar embaixo de cada cruz encontro-os no maior assanhamento e
pouca vergonha atrás de um jazigo afastado que por lá existia.
Dizem que ele tomou um
porre de matar lá no empório do espanhol, mas isto ninguém confirma, mesmo por
que não ficou viva alma quando ele adentrou no recinto pedindo uma pinga. Naquele
dia o freguês que encontraram mais perto já estava a menos de duas léguas da
capital.
A partir dali ele
tornou-se um ébrio inveterado. Não comparecia mais na procissão das almas
penadas. Chegava atrasado para assombrar as casas, isto quando ia e vivia bêbado
caído entre os mausoléus. E imaginar que em vida um homem de conduta ilibada...
Agora um féretro prostrado e humilhado!
Vejam só o que o
cadáver de uma desavergonhada pode fazer a um cadavérico escarnecido... Numa
noite de lua cheia, Durval enforcou-se num galho seco de uma tétrica arvore
próxima a capela do velório, tendo a coruja como solitária testemunha de seu calvário
final.
De Bastos e Rutinha
ninguém mais deu noticia. Apenas um lobisomem disse tê-los vistos pela ultima
vez retornando para o fundo da catacumba donde saíram, outras almas
maledicentes afirmaram que fugiram para assombrarem juntos uma quitinete
sintecada em Copacabana... Já poucos falam que ao ser abandonada por Bastos,
partiu para vida fácil na capital mineira, chegando ate ficar conhecida pelo
vulgo de “Loira do Bonfim”. Toda vez que alguém assuntava pelos fatos, o
professor Waldizinho Fragoso disparava no seu latim: - Muliere ne credas, ne
mortuae quidam! (ª)
Por isso, nas noites de
sexta feira 13, ninguém em Mirabela da Serra deixa o fogão de lenha aceso, para
não correr o risco de ver penetrar o fantasma embriagado de Durval Perneta em
busca de um tira-gosto, ate que não por medo, mas se já é difícil suportar seu
odor apodrecido, muito pior seus lamentos lacrimosos para defunto nenhum botar
defeito.
Afinal de contas se
conversa de bêbado vivo já é ruim, morto é muito pior, dura uma eternidade!
Que JC ilumine!
a (a) - Não acredite em algumas mulheres, nem
mesmo morta.
Muito legal a crônica Hubert, achei bem engraçada. Abraços
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