quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Outra de Irineu Jurupoca...

Como sempre, quando sinto necessidade de descansar e fugir da conturbada vida da capital, dirijo-me a Mirabela da Serra para o merecido repouso do guerreiro. Lá, numa noitinha de chuva fria fui à venda do Olímpio Espanhol, centro intelectual daquele vilarejo, na intenção de jogar um mucado de conversa fora.

Grata satisfação ao adentrar no estabelecimento e me deparar com Irineu Jurupoca sentadinho ao balcão, bebericando uma cachacinha de rolha e pitando um fumo de rolo. Digo satisfação por que Irineu é um sábio transvestido de matuto e como seus causos sempre nos faz pensar, naquela noite não poderia ser diferente!

Contam seu moço, começou ele, que lá pelas bandas do Capão, o Olegário tinha uma rocinha. Possuía uma vaquinha da qual tirava uns minguados litros de leite e uns pés de milho e feijão que era o sustento do casal e seus sete filhos.

Um dia passando por ali o Coronel Ermenegildo, grande fazendeiro além de um gaiato muito dos miserento, aproveitando a ausência de todos que se encontravam na missa, empurrou fatalmente a vaquinha por uma encosta abaixo pensando: - Agora eu quero vê como o veio Olegário vai se ajeitar! Sem vaca não tem comida e sem comida ele vai me vender estas terras na baciada das almas. É só esperar...

Muito tempo depois, como o Olegário não se manifestava, o fazendeiro resolveu fazer uma visitinha para ofertar sua proposta gananciosa. Qual foi sua surpresa ao dar com uma belezura de rancho que em lugar da antiga choupana, erguia uma grande casa toda pintadinha com belos jardins por todo canto. Mais a frente, um curral com várias vacas e ao pé dele um trator novinho para mode de arar uma bela plantação que se perdia de vista.

- Uai cumpadre, disse ele com espanto, o que aconteceu aqui?

- Sabe coronel, tempos atrás a minha vaquinha, a única fonte de sustento de minha família morreu misteriosamente. No começo foi choradeira demais. Culpei Deus por aquela situação. Tive tanto ódio que me alimentava dele e assim morria de fome de tanto me fartar de ira.

- Mas o tempo é um anjo do todo poderoso, continuou, e aí vendo que não tinha mais jeito, coloquei a filharada para trabalhar. Os dois mais velhos começaram a semear o campo. Com as primeiras colheitas comprei duas vacas que os outros filhos ordenhavam e com o lucro foi-se aumentando o rebanho. Minha esposa começou a fazer doces e quitutes que vendíamos na cidade. Já minhas filhas fizeram tanto sucesso com seus bordados para os turistas que não demorou nem um tico para abrir uma lojinha lá em Mirabela... Para o senhor vê... Bendito o anjo que levou aquela minha vaquinha!

O fazendeiro acabrunhado partiu dali inconformado com o tiro que saiu pela culatra.

Pois é doutor, arrematou o sábio Irineu após uma longa baforada, muitas vezes a cegueira do conformismo nos deixa morrer de fome. Como disse Guimaraes Rosa “O animal satisfeito, dorme”. Devemos ter fé no criador e saber que os momentos de crise são os avessos das oportunidades. A fé tem de andar ao lado do labor.

 Muitas vezes aqueles que acreditam estarem colaborando para nosso infortúnio na verdade estão nos elevando para o sucesso. Meio copo d’agua, pode estar meio cheio ou meio vazio, simplesmente é pelo o ângulo que se vê.

Mais tarde, me recolhi agradecendo a Deus por todas as minhas vaquinhas que ele arremessou ribanceira abaixo...


Que JC ilumine!     

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Lagoa das lagrimas...

“Romeu e Julieta” encontra-se entre as obras que melhor enaltecem o verdadeiro amor. Narra à paixão de dois jovens amantes que na intenção de ficarem juntos, lutam contra a intolerância dos poderosos da cidade italiana de Verona; batalha que não vencem infligindo na morte do casal apaixonado.

 Se todas as cidades são erguidas da essência de seus moradores, em Mirabela da Serra não poderia ser diferente.

Existiam na cidade, dois fazendeiros disputando o poder. O Coronel Murtinho Pedrosa, dono da Fazenda Raio de Sol e o Coronel Corsino Reis, da Fazenda Encantada; e como a vaidade é o Arauto dos pecados capitais, ninguém sabia qual dos dois era mais vaidoso, resultando numa briga de família que já duravam anos.

Acontece que o destino sempre zomba da vida, e se a vida imita a arte, o vice versa é certo.

Foi este destino que fez nascer na casa do Coronel Murtinho a mais bela de todas as donzelas das redondezas. A pele rosada, uma boca molhada e os olhos do melhor mel das floradas do lugar. Linda ela... Julia Murtinho.

E o danadinho deste mesmo destino presenteou o Coronel Corsino com um rapagão de deixar no tamanco até o tal de “Crarque Gleibu”; aquele ator famoso lá de “Holiudi”. O Coronel mandou o moleque para capital e tempos depois voltou um Doutor...  Doutor Castro Reis.

Na quermesse da igreja, o tal destino fanfarrão, fez estes dois se esbarrarem e quando seus olhares se cruzaram, o cupido nem trabalho teve, pois o amor se instalou de pronta com mala e cuia em seus corações.

Foi ai que começou a peleja... Nenhum dos coronéis aceitava aquele romance. Tinham o coração endurecido por um ódio que na verdade nenhum dos dois sabia donde e por que tinha nascido.

O fato é que o Coronel Murtinho decidiu enviar Julia para terminar seus estudos no Convento de Bracaúnas, ao passo que o pai de Castro Reis forçava sua mudança para Goiás, com o argumento dele administrar outra propriedade da família.

Nem mesmo a intervenção da voz celestial do Padre Clovis conseguiu abrandar o espirito enegrecido daqueles patriarcas e à medida que o ódio aviltava-se, proporcionalmente crescia o amor dos dois enamorados.

O certo é que todo aquele alarido contribuiu para que o casal decide-se fugir em noite de lua cheia para se casarem as escondidas na vizinha cidade de Capim Vermelho. Porem na noite escolhida, ao atravessarem a grota do capão, a moça desequilibrou e em vão Castro tentando segura-la, abraçadinhos rolaram morro abaixo desfechando fatalmente tão avassaladora paixão.

Comprovava ali as palavras de Camões: “Para tão longo amor, tão curta vida”...

A cidade que toda trama acompanhava ao longo daquela historia, limitando se a rezar, ao saber da tragédia tristemente começou um a um a chorar pelas almas daqueles pobres incompreendidos. E foi tanto choro, tanto choro, que logo se formou uma enxurrada descendo avenida abaixo acumulando se até encher aquela grota maldita, formado um lindo espelho d’agua que passou a ser conhecido como Lagoa das Lagrimas.

Hoje lá tem uma ponte batizada de Travessa do Amor e agora todo casal enamorado que quiser fugir pode ir buscar ser feliz, pois ninguém mais ali vai cair...


Que JC ilumine!