Como
sempre, quando sinto necessidade de descansar e fugir da conturbada vida da capital,
dirijo-me a Mirabela da Serra para o merecido repouso do guerreiro. Lá, numa
noitinha de chuva fria fui à venda do Olímpio Espanhol, centro intelectual
daquele vilarejo, na intenção de jogar um mucado de conversa fora.
Grata
satisfação ao adentrar no estabelecimento e me deparar com Irineu Jurupoca
sentadinho ao balcão, bebericando uma cachacinha de rolha e pitando um fumo de
rolo. Digo satisfação por que Irineu é um sábio transvestido de matuto e como
seus causos sempre nos faz pensar, naquela noite não poderia ser diferente!
Contam
seu moço, começou ele, que lá pelas bandas do Capão, o Olegário tinha uma rocinha.
Possuía uma vaquinha da qual tirava uns minguados litros de leite e uns pés de
milho e feijão que era o sustento do casal e seus sete filhos.
Um
dia passando por ali o Coronel Ermenegildo, grande fazendeiro além de um gaiato
muito dos miserento, aproveitando a ausência de todos que se encontravam na
missa, empurrou fatalmente a vaquinha por uma encosta abaixo pensando: - Agora
eu quero vê como o veio Olegário vai se ajeitar! Sem vaca não tem comida e sem
comida ele vai me vender estas terras na baciada das almas. É só esperar...
Muito
tempo depois, como o Olegário não se manifestava, o fazendeiro resolveu fazer
uma visitinha para ofertar sua proposta gananciosa. Qual foi sua surpresa ao dar
com uma belezura de rancho que em lugar da antiga choupana, erguia uma grande
casa toda pintadinha com belos jardins por todo canto. Mais a frente, um curral
com várias vacas e ao pé dele um trator novinho para mode de arar uma bela
plantação que se perdia de vista.
-
Uai cumpadre, disse ele com espanto, o que aconteceu aqui?
-
Sabe coronel, tempos atrás a minha vaquinha, a única fonte de sustento de minha família morreu
misteriosamente. No começo foi choradeira demais. Culpei Deus por aquela
situação. Tive tanto ódio que me alimentava dele e assim morria de fome de
tanto me fartar de ira.
-
Mas o tempo é um anjo do todo poderoso, continuou, e aí vendo que não tinha
mais jeito, coloquei a filharada para trabalhar. Os dois mais velhos começaram
a semear o campo. Com as primeiras colheitas comprei duas vacas que os outros
filhos ordenhavam e com o lucro foi-se aumentando o rebanho. Minha esposa
começou a fazer doces e quitutes que vendíamos na cidade. Já minhas filhas
fizeram tanto sucesso com seus bordados para os turistas que não demorou nem um
tico para abrir uma lojinha lá em Mirabela... Para o senhor vê... Bendito o
anjo que levou aquela minha vaquinha!
O
fazendeiro acabrunhado partiu dali inconformado com o tiro que saiu pela
culatra.
Pois
é doutor, arrematou o sábio Irineu após uma longa baforada, muitas vezes a
cegueira do conformismo nos deixa morrer de fome. Como disse Guimaraes Rosa “O
animal satisfeito, dorme”. Devemos ter fé no criador e saber que os momentos de
crise são os avessos das oportunidades. A fé tem de andar ao lado do labor.
Muitas vezes aqueles que acreditam estarem
colaborando para nosso infortúnio na verdade estão nos elevando para o sucesso.
Meio copo d’agua, pode estar meio cheio ou meio vazio, simplesmente é pelo o
ângulo que se vê.
Mais
tarde, me recolhi agradecendo a Deus por todas as minhas vaquinhas que ele
arremessou ribanceira abaixo...
Que
JC ilumine!