quinta-feira, 16 de agosto de 2012

De certa feita...

Coroné” Waldomiro sempre foi um caridoso homem. Em Mirabela da Serra era tido por todos em alto apreço e respeito. De certa feita, ao cair da tarde estava ele sentado na soleira de sua fazenda quando viu aproximar vagarosamente pela estrada uma dupla que despertava curiosidade. O calado mendigo conhecido pela alcunha de “Dão” e seu inseparável companheiro, o malhado, um cachorro que pelo nome já se descrevia.

 De pronto lembrou se do conto de Dostoiévski, “Humilhados e Ofendidos” onde o autor russo retrata a dura realidade e miséria entre as classes sociais nesta existencia terrestre e ao contrario do príncipe Valkovski personagem central do livro, chamou Dão, oferendo lhe um farto prato de sopa degustado com extrema rapidez e atirou umas boas nacas de pão para aquele magrelo cão, que agradeceu abanando o rabo intensamente.

O mendigo comeu selenciosamente e ao final como uma forma de gratidão, tirou do alforje velho uma desgastada gaita de onde tocou de forma melodiosa uma bela canção enquanto o velho cão ficava saltando em volta como se dançando. Ele tocou durante um bom tempo, levando alegria aquela casa e encantando o velho coroné.

Comovido o fazendeiro ofereceu um velho celeiro desocupado que tinha no fundo para que o tocador e seu amigo canino ocupassem pelo tempo que quisessem. Ele agradeceu comovido a generosidade do “coroné” e a partir daquela data, durante várias noites consecutivas aquela cena musical com o cachorro dançador se repetiu.

Em uma noite de sábado porem, o Malhado veio só e latindo desatinadamente. O fato fez que Waldomiro fosse verificar a ausencia de seu hospede, ao qual encontrou postado já sem vida em seu humilde leito.

O coroné, como um bom cristão providenciou e custeou o enterro que foi acompanhado de pertinho, durante todo o tempo pelo velho e solitário vira-lata que aparentava entender tudo. Ao termino do funeral o mesmo acompanhou lentamente o fazendeiro até chegar na soleira, onde tudo começou e alí deitando permaneceu durante dias, com os olhos perdidos observando atentamente a estrada sem comer ou beber nada que o fazendeiro lhe brindava.

Certa noite, quando a lua cheia iluminava a terra, o cão levantou suas orelhas e abanando freneticamente o rabo, saiu saltitante como antigamente quando escutava seu falecido amigo melodiar sua velha gaita.

E assim, dançando foi adentrando pela estrada tomadas pelos raios de luar até desaparecer na escuridão da noite.

Coroné Waldomiro que aquilo tudo assistia, tirou o chapeu e fez uma longa preçe pelas almas de todos que sofrem, humilhados e ofendidos neste mundo. No final sorriu e alegrou se, pois tinha a certeza que Dão agora não sentiria nem mais fome e frio, levando consigo pela eternidade, seu fiel e inseparavel amigo.

Que JC ilumine!